
Picante – um sabor do Mundo
Quando se fala de comida picante somos quase sempre transportados para paragens longínquas. No meu caso, por fazer tantas viagens pelo mundo com a Zen Family, vou directamente para oriente. A minha mente viaja de imediato para o Nepal, Butão e Índia, embora a comida picante seja apanágio de outros destinos como México, Tailândia e vários países africanos.
Nós por cá temos muitas vezes a idéia que o picante aquece, o que não é de todo mentira, uma vez que a sensação de ardor nos faz sentir muitas vezes como um dragão a cuspir fogo e a transpirar. A verdade é que se observarmos com um pouco mais de atenção, percebemos que o picante é usado na maioria das vezes em países nos quais o calor se faz sentir de uma forma bem mais intensa do que aqui em Portugal.
Uma das coisas que percebi em viagem é que o picante ajuda a resistir ao calor e ajuda o corpo a resistir a muitas doenças. No Nepal corre a história que o povo Tharu (um grupo étnico indígena que vivia nas bases montanhosas do sul dos Himalaias) é conhecido por ser naturalmente imune à malária que afectou esta área de rios, lagos e selva luxuriante, que é Chitwan. A população circundante ainda hoje atribui essa façanha à alimentação do povo Tharu, que sempre foi dominada por um sabor intenso a picante, acompanhado por aguardente de arroz. Mais tarde verificou-se que esta resistência pode ser causada por uma alteração genética deste grupo étnico, mas a verdade é que este tipo de alimentação também ajudou.
Os alimentos picantes têm imensas propriedades. Por causarem dor, isto é uma dor ligeira associada à ardência provocada, a sua ingestão faz com que o nosso cérebro produza endorfinas que combatem a dor (pela acção analgésica) e nos proporcionam prazer. Nuno Crato, no seu livro “Passeio Aleatória pela Ciência do dia a dia”, refere até que o tempero picante é quase um sedativo, mas um sedativo benigno.
Em doses normais, a pimenta, ou o picante além da libertação de endorfinas e da acção analgésica, têm efeitos tónicos e antissépticos, estimula os sistemas circulatório e digestivo e aumenta a transpiração. Da minha observação, esta propriedade antisséptica pode ser uma explicação para que em tantas zonas cujas condições de vida não são as desejáveis, não existam assim tantas doenças.
Está comprovado que a alimentação picante pode ajudar a prolongar a esperança média de vida, ajudando a reduzir a probabilidade de contrair algumas doenças e a tratar de outras. Os principais benefícios derivam da capsaicina, componente presente principalmente na malagueta e pimenta caiena.
Além de aumentar a temperatura do corpo e nos fazer transpirar, o picante também traz outros benefícios para a saúde, como:
- Ajuda a perder peso devido ao seu efeito termogénico e consequente aceleramento do metabolismo.
- Previne e ajuda a tratar doenças cardiovasculares, uma vez que que os componentes picantes ajudam a aumentar o fluxo sanguineo.
- A capsaicina tem efeito anti-oxidante, antimicrobiano, anti-inflamatório e previne o cancro.
- Melhora a aparência da pele, pois a transpiração abre e limpa os poros.
- Ajuda a tratar a artrite e fibromialgia através da ação anti-inflamatória e analgésica.
- Previne gripes e constipações devido às propriedades antimicrobianas e antivirais.
O picante é usado em todo o mundo, e em Portugal, África e Brasil desde que o Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia e trouxe esta especiaria que começou a ser cultivada por todo o mundo, deixando de estar apenas na mesa dos mais abastados.
Um outro país que usa e abusa do picante é o Butão. De todas as viagens que já fiz pelo mundo, talvez este seja o local onde o seu consumo é mais intenso. Até mais do que na Tailândia, onde tive a minha primeira experiência de “dragão” e do que a Índia!
Tudo no Butão leva picante. Malagueta em doses avultadas e todos adoram este tempero, que começam a ingerir desde muito pequenos. É muito engraçado ver que muitos de nós ficamos com o ardor característicos desta substância, vermelhos e transpirar e que os butaneses passam imunes a este efeito, que causa muitos momentos de diversão tanto para nós como para eles.
Ficam aqui duas receitas, uma do Butão e outra da Tailândia, que podem encontrar nos meus livros “Sabores do Viajante” (já vencedor em Portugal com o primeiro prémio do Gourmand Award na Categoria Heath & Food) e “Viagens da comida Saudável”, respectivamente, para assinalar este dia internacional da comida picante.
Espero que gostem. Bom proveito e boas viagens!
Daniela Ricardo