Um Sabor por cada Viagem
As viagens e a alimentação fazem parte da minha vida. Com o estudo da alimentação, deixei-me fascinar pela culinária, pela alquimia do alimento, seja como instrumento de cura, seja apenas como prazer para os sentidos. Com as viagens fiquei cada vez mais apaixonada pelo nosso planeta! Uma das coisas de que mais gosto é descobrir outros lugares, outras culturas, outras formas de estar. Viajar, cozinhar, criar receitas equilibradas cheias de sabor e de cor, que sejam uma explosão de sensações para quem as prova, é para mim um prazer, um objectivo.
Todos os anos uma parte do meu ano está reservada para as viagens da Zen Family, que acompanho como guia e co-organizadora com o meu marido, o Luís Baião.
Considero cada viagem como uma oportunidade conhecer destinos diferentes, culturas diferentes, experiências diferentes e, claro está, uma oportunidade de ouro de conhecer alimentos diferentes, que não fazem parte do nosso dia-a-dia.
Tudo isso pode ser prazeroso e saudável, pois tenho sempre em mente o equilíbrio de uma alimentação consciente e natural, preferencialmente com base em produtos de origem vegetal, locais e sazonais.
Cada viagem tem um sabor distinto.
É maravilhoso experimentar novos sabores, especialmente se o local que visitamos possui uma cultura bem diferente da nossa. Ao começar a escrever um artigo sobre viagens e alimentação, surgiu a idéia deste artigo, pois constatei que cada viagem tem um sabor distinto, tem algo peculiar ou familiar que me transporta imediatamente para lá, através das papilas gustativas.
JAPÃO
O Japão é um destino místico e fascinante, com contrastes entre a tradição e a modernidade. É um destino turístico de difícil compreensão pelo olhar ocidental e, por isso mesmo, verdadeiramente desafiador. O melhor do Japão é estar no Japão! Temos tanto a aprender com esta cultura maravilhosa, que nós, ocidentais, ficamos impressionados com a quantidade de detalhes, diferenças e boas maneiras. Esta viagem, para mim, é um sonho.
As bases da minha alimentação consciente e natural assentam em princípios milenares que têm origem no Japão. Aqui senti-me verdadeiramente em casa. A organização, a beleza e a seriedade do povo, são algumas das coisas que nos saltam de imediato à vista. Fui e voltei naquela que é a mais bela das estações, que é a Primavera, e na qual podemos contemplar a sakura, as lendárias cerejeiras em flor que embelezam todo o país.Acho que já perceberam que viagem ao Japão é um destino que me apaixona. Se pensar qual o sabor que o Japão tem para mim, fico dividida entre miso e matcha. Não houve dia nenhum das viagens que fiz ao Japão que não comesse um caldinho de miso ou provasse algum alimento aromatizado com matcha (chá verde).
. Miso
Missoshiru ou Sopa de Miso é provavelmente a sopa japonesa mais conhecida do mundo. Todos nós já provámos este caldo que parece que se agita, com um pouco de alga e um quadradinho de tofu. Esta é a versão que geralmente encontramos nos restaurantes japoneses por cá. A verdade é que a base do caldo é água, miso e alga. Tudo o resto é uma forma de enriquecer a nossa sopa. O Miso por ser um produto fermentado é um excelente probiótico, ajudando a fortalecer todo tracto digestivo por equilibrar a microbiota e dessa forma reforçando a nossa imunidade.
. Matcha
O Matcha, o chá verde considerado um elemento importante da cerimónia japonesa do chá, Chanoyu, ao contrário do resto dos chás que se apresentam em folhas soltas, tem a particularidade de se apresentar em pó muito fino, por as suas folhas serem moídas finamente. Para consumi-lo é necessário bater este pó fino com água quente. Isso faz com que os benefícios para a saúde do chá matcha sejam muito mais efectivos que aqueles do que os dos chás em folhas soltas, uma vez que as substâncias saudáveis que passam para a água estão em maior concentração.
Uma das particularidades deste chá, que foi descoberta pelos monges budistas há muito tempo, é que ajuda a manter a mente alerta enquanto favorece o relaxamento do corpo, proporcionando condições ideais para meditar.
Das inúmeras propriedades e benefícios do matcha, uma que se destaca é o seu alto conteúdo de antioxidantes. Estas são substâncias capazes de reduzir ou prevenir a oxidação de outros compostos, combatendo assim os radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento e pela degradação celular.
Apesar de todas estas coisas boas que o chá matcha nos trás, não é o sabor do chá que me vem logo à memória. O que me surge de imediato na memória e me deixa com água a crescer na boca, são os bolinhos de mochi (arroz glutinoso socado com matcha e recheados com pasta de feijão azuki doce). São mesmo uma delícia!
ARGENTINA
Mudando de país e até de continente, vamos até à América do Sul, para mais uma viagem bem diferente e bem saborosa. A Argentina é um país enorme, com uma diversidade enorme de culturas, de paisagens e de gastronomia. O que eu conheço melhor deste enorme país é a Patagónia. Este é um dos lugares mais bonitos do mundo, com cenários simplesmente deslumbrantes. A Cordilheira dos Andes, os glaciares, os lagos, as florestas oferecem-nos milhares de opções contemplativas e de actividades. A Patagónia é gigante e não existe uma forma de a conhecermos por inteiro numa só viagem, por isso na Zen Family seleccionámos os destinos que para nós são imperdíveis de forma que esta viagem seja única, intensa e muito enriquecedora.
. Doce de leite
Argentina, particularmente a Patagónia para mim tem sabor a doce de leite, presente em tantos doces e nos típicos alfajores. O Doce de Leite é talvez o doce mais apreciado na Argentina, mas é uma bomba para o nosso organismo, pois mistura dois ingredientes que poucos benefícios nos trazem: o leite e o açúcar. Dois alimentos não fazem parte da minha dispensa. Como este doce é uma bomba, que de saudável tem muito pouco, são parcas as vezes que o como em viagem. Porém, como gosto de recriar receitas, partilho com vocês a minha versão de doce de leite, que na realidade de leite nada tem, mas de sabor está riquíssimo!
Receita de Doce de “sem leite”:
Ingredientes:
- 2 chávenas de chá de tâmaras sem caroço;
- 1 chávena de chá de bebida de arroz;
- 2 colheres de sopa de pasta de amêndoas ou avelãs.
Modo de preparação:
- Deixe as tâmaras de molho em água durante uma hora para hidratar e facilitar na altura de triturar;
- Coloque as tâmaras no liquidificador e triture bem;
- Acrescente a bebida de arroz e a pasta de amêndoa, e triture novamente até obter um creme macio;
- Coloque num frasco e guarde no frigorífico;
- Está pronto para consumir com o que mais gostar ou rechear os alfajores.
Eu gosto de colocar uma porção da pasta de tâmara numa taça e cobrir com natas de côco (creme de cozinha de côco) sem nenhum adoçante para equilibrar o doce e decorar com umas raspas de chocolate.
CAMBOJA
Continuando em viagem, vamos de novo para oriente e paramos no Cambodja. Magnificente, majestoso, impressionante são alguns dos adjectivos que me ocorrem quando quero falar do Cambodja. Este é um dos locais mais mágicos que existem na terra. Palácios, templos e monumentos escondidos em florestas densas, a história e o passado de um povo que preserva a sua ligação à natureza, cidades tranquilas onde o tradicional convive em harmonia com o moderno, a simpatia e a amabilidade dos cambodjanos, sempre com um sorriso estampado no rosto (… e de repente, lá estamos nós, também a sorrir por tudo e por nada), fazem desta viagem uma jornada verdadeiramente memorável.
. AmokCamboja tem sabor a Amok e particularmente a lemongrass. A amok é uma pasta que serve de base a muitas receitas e que se encontra facilmente nos mercados do país, com uma mistura que leva erva-príncipe (lemongrass), gengibre, açafrão, alho e cebola. A erva-príncipe é o sabor que sobressai, encontramos em muitas receitas na versão em pó, por ser o tempero oficial de quase todos os pratos. Como adorei e me fizeram transportar para este cantinho do mundo tão peculiar, partilho com vocês a minha versão de Amok, com lemongrass, mas sem a pasta que lhe confere o nome.
Receita de Amok:
Ingredientes:
- 200g de tempeh;
- 50ml de bebida de arroz com uma colher de coco ralado triturado;
- 30ml de água;
- 20g de couve-lombarda;
- 20g de cenoura;
- 20g de couve coração;
- 1/2 cebola em rodelas e 1/2 picada;
- 50g de cogumelos a gosto;
- 1 colher de sopa de geleia de arroz;
- pitada de sal;
- 2 colheres de sopa de caril;
- 1 fio de azeite;
- 1 colher de açafrão (curcuma);
- 2 talos de erva-príncipe;
- 1 malagueta;
- 2 dentes de alho.
Modo de preparação:
- Corte o tempeh em pedaços pequenos e médios;
- Lave os vegetais e corte-os em kimpira (tirinhas, tipo juliana);
- Numa panela, em lume baixo, coloque o azeite, o açafrão, o caril e a bebida de arroz com coco. Mexa até levantar fervura;
- Acrescente o tempeh, as cebolas em rodelas, a malagueta picada, os alhos esmagados, os talos de erva príncipe dobrados e fechados em nó, os vegetais (excepto as folhas verdes), a água, a geleia de arroz e o sal. Cozinhe por 5 minutos, acrescente as folhas. Mexa até a cebola ficar macia e transparente;
- Esta receita é servida numa cesta de folhas de bananeira. Em Portugal é difícil de arranjar, mas podemos usar folhas de couve-lombarda cruas ou uma daquelas tigelas de caldo verde que parecem folhas de couve, bem ao estilo de Bordalo Pinheiro! Decore com um fio de natas de aveia ou de soja e uma malagueta inteira;
- Acompanhe com arroz integral.
Dica: Os talos de erva-príncipe são difíceis de arranjar em Portugal. Substitua por folhas, pois assim consegue o aroma inconfundível desta planta. Pode fazer esta receita com filetes de peixe.
ÍNDIA
Ainda a Oriente, não posso deixar de falar na Índia Sul. A Índia, de forma generalizada, é um país que vive entre um constante festival de cores, multidões e caos organizado – uma mistura que pode tornar-se enlouquecedora. A Índia é também o lar de uma das mais antigas civilizações do mundo. É enorme – um subcontinente – e muito cativante, onde se encontram vestígios da cultura portuguesa. Um dos seus estados que conheço melhor é Kerala, o “país de Deus”, onde já tive o privilégio de estar algumas vezes.
. NaanA Índia, nomeadamente a Índia Sul (a que conheço melhor) tem inúmeros sabores, mas há um que me deixa muitas saudades. O sabor dos naan do Bambu Café. Os melhores naan do mundo, simples ou com alho são a minha perdição. Eu até evito comer muitos alimentos com farinha, prefiro os cereais no seu formato integral, por serem mais completos e terem um comportamento diferente no nosso organismo, nomeadamente no que diz respeito a acidificar o nosso meio interno e alterar a glicemia. Mas, quando há estes naan, eu esqueço tudo isso e faço a minha excepção. Felizmente só estou neste local 2 dias por ano!
NEPAL
O Nepal, apesar de ser muito perto da Índia e com uma cultura gastronómica muito semelhante, para mim sabe a romã. É aqui que bebo o melhor sumo de romã do mundo, acabado de espremer. É já uma tradição, quando estou nesta parte do mundo, ir beber um sumo de romã com uma linda família, que para mim já tem sabor a família, pois vejo-os crescer e transformar a cada ano.
. Sumo de romãO sumo de romã tem um conteúdo em polifenóis três vezes superior ao do vinho tinto e do chá verde, substâncias que ajudam a prevenir as doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro.
Muitas são propriedades atribuídas a este fruto, das quais destaco a acção antimicrobiana, a prevenção na formação das placas de gordura nas artérias e a acção anti tumoral, pois a romã inibe o crescimento das células cancerígenas e aumenta a apoptose (morte celular) em diversos tipos de cancro da mama.
Cada viagem, cada país tem um sabor particular.
É claro que cada um de nós terá um sabor e não será necessariamente o mesmo, pois depende da experiência que cada um de nós vive, dos sabores que experimenta e do que guarda na memória.
O Peru tem sabor a quinoa. Quinoa das mais diversas formas, doces e salgadas, cremosas e crocantes. Mas, para alguns amigos meus o Peru tem sabor a Pisco, uma bebida tradicional, que por ser bem alcoólica eu evito beber.
Bali tem dois sabores: dragon fruit e tempeh.
O Brasil para mim tem sabor a manga, acabada de colher e amassada e chupada, como aprendi com os titios, na fazenda.
Marrocos tem sabor a omelete berebere. Eu normalmente até não como ovos, porque o meu corpo sofre muitas alterações com a ingestão dos mesmos, mas estes cozinhados na tagine (um tipo de tacho de barro típico desta zona) com ervilhas a acompanhar, confesso que é dos alimentos que como, nesta viagem, com satisfação e de que sinto saudades. Isso e a famosa “Pastilla” que como em Fez, e que os nossos amigos fazem uma versão vegetariana para mim. A versão original da pastilla leva borrego e amêndoas, ou frango e amêndoas. A versão que eu gosto, e a única que provei, leva cogumelos e amêndoas. Posso dizer que é mesmo uma delícia e que o único local do mundo onde como esta iguaria tradicional marroquina, é em Marrocos, em Fez.
Poderia estar aqui a enumerar todos os países que conheço e os sabores que têm, para mim. Como a Áustria tem sabor a strudel de maçã, a Itália a pesto e o Butão a Ema Datse, o prato mais popular entre os butaneses. Ema, no Butão, significa chilli ou malagueta, pelo que já se pode adivinhar o quão picante é este prato, que acompanha todas as suas refeições. A Espanha, por exemplo, tem sabor a Alcachofras e por aí fora… Mas, isso não é importante.
Que sabores têm as tuas viagens?
O importante é saber que sabores têm as tuas viagens, os destinos para onde foste.
Essa é uma das riquezas que é só tua!
Daniela Ricardo